António

Quarenta e quatro anos sumidos. Descarnado, cabelo baço, olhar vazio. Trémulo. Anda mal, come mal, vê mal. Não se revolta com a vida. Nem triste, resignado.

Nasceu em sítio errado. Quatro irmãos, pai pescador, mãe- mãe. Perdeu o pai para o mar, tinha cinco anos. Perdeu a mãe para a doença, tinha 11 anos. Perdeu a irmã para a loucura, tinha 15 anos. Perdeu o irmão para a doença, tinha 19 anos. Perdeu o irmão sem doença, fugiu daquele sítio errado e foi viver.

Na adolescência sonhava. Sonhava que não tinha a doença e jogar futebol. Tinha jeito. Sonhava com uma família. Teve uma namorada, perdeu-a. Perdeu-a quando chegou a doença. Teve um trabalho, mas a doença tirou-lho.

Sozinho, foi viver com tios e primos. Aí encontrou calor e chegou a ser feliz. Barulho, risos, mesas cheias, discussões, zangas e entendimentos. Confusão boa. Os primos cresceram. Cresceram, casaram e procuraram uma vida melhor. Só a encontraram em França. A casa mais vazia. O tio morreu. A casa tão vazia. Ele e a tia.

Ele e a tia. Precisam-se. Dias frios iguais. Silêncio, esperam as férias dos primos para aquecer com barulho. Ele cada vez mais sumido. Sempre o medo de não chegar até à próxima confusão.

Mas tem vencido os anos na espera de cada verão. Apaziguado.

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